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A CONFISSÃO DE FÉ - CAPÍTULO 7


E também todos os que desejam viver piamente em Cristo Jesus, padecerão perseguição. [31]

Quatro dias tinham transcorrido desde que o jovem oficial saíra de seu gabinete. Dias estes cheios de acontecimentos para ele, dias de infinita importância. Dele haveria de depender sua felicidade suprema ou suas angústias. Porém a busca da verdade desta alma anelante não tinha sido em vão, tendo sido renovada no Espírito Santo [32].
Havia tomado sua resolução. Por um lado se lhe oferecia a fama, a honra e a riqueza, e do outro a pobreza, a necessidade e a angústia. Com tudo em plena consciência, ele havia feito sua eleição; tinha-se voltado para a última sem um único instante de vacilação. Ele havia escolhido "antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado" [33].
Ao seu regresso visitou o general e se acusou perante ele. Informou-lhe que tinha estado entre os cristãos, que não podia cumprir a comissão que lhe haviam encomendado, e que se submetia voluntariamente a sofrer as conseqüências. O general, com a severidade a que havia-se exposto, lhe ordenou que passa-se a seu quartel.
Ali, em meio à mais profunda meditação, e fazendo conjecturas do que resultaria de tudo isso, foi interrompido pelo ingresso de Lúculo. Seu amigo o cumprimentou muito afetuosamente, mas em seu rosto se evidenciava uma profunda ansiedade.
— Acabo de encontrar-me com o general — disse ele— , quem me fez chamar para dar-me uma mensagem para você. Porém, primeiramente, dize-me: o que você fez?
Marcelo lhe relatou tudo detalhadamente desde o momento de sua partida até sua volta, sem ocultar-lhe absolutamente nada. Sua cristalina boa fé evidenciava o poderosa, sincera e verdadeira que tinha sido a obra eterna do Espírito Santo nele. Depois contou a entrevista que tivera com o general.
— Eu entrei em sua habitação com o claro sentimento da importância do passo que dava. Ia eu cometer um ato reputado como virtual traição e crime, e cuja sanção não é menos que a morte. Porém, eu não podia fazer outra coisa.
"Ele me recebeu com total afabilidade, animado pela idéia de que eu tivesse conseguido um êxito de importância na busca que me haviam encomendado. Eu lhe disse que desde que sai tinha estado entre os cristãos, e que pelo que tinha visto, estava obrigado a mudar meus sentimentos para com eles. Anteriormente eu tinha pensado que eles eram inimigos do Estado e dignos de morte; porém tinha descoberto que se tratava de pessoas que são leais súbditos do imperador e muito virtuosos. Contra tais pessoas não poderia eu estender minha espada jamais, e antes de fazê-lo, a entregava.
"Diante do qual ele me disse: 'Os sentimentos de um soldado não têm nada a ver com seus deveres'. 'Porém meus deveres para com o Deus que me criou são mais fortes que qualquer dever que eu tenha com o homem', respondi.
"A isto replicou: 'Acaso tua simpatia pelos cristãos chegou que enlouquecer-te? Não percebe que o que está fazendo é traição?'.
"Eu me inclinei e respondi que estava resolvido a afrontas as conseqüências.
"'Rapaz precipitado', exclamou severamente, 'retira-te do quartel e eu te comunicarei minha decisão'.
"E assim foi que me transladei aqui, onde permaneci desde aquele momento, esperando ansiosamente minha sentença".
Lúculo tinha ouvido toda a narração que havia feito Marcelo sem dizer palavra, nem sequer fazer um gesto. Uma expressão de triste surpresa em seu rosto evidenciava o que eram seus sentimentos. E conforme Marcelo concluiu, falou num tom de quem deplora e lamenta.
— Verdadeiramente tanto você como eu sabemos o que deve ser aquela sentença. Pois a disciplina romana, ainda em tempos normais, não pode ser tomada com leviandade, e tanto pior agora que os sentimentos do governo estão exaltados até o sumo grau contra aqueles cristãos. Pois, se você insistir em teu proceder, estará arruinado.
— Eu te expus todas as minhas razões.
— Sim, Marcelo, eu conheço teu caráter puro e sincero. Você sempre foi de uma mente piedosa. Você amou os nobres ensinos da filosofia. E não te sentes satisfeito com tudo isso como antes? Por que deverias ser seduzido pela miserável doutrina de um judeu crucificado?
— Jamais estive satisfeito com a filosofia de que me falas. Você mesmo sabe a consciência que não há nela nada de verdade em que a alma possa repousar. Mas o cristianismo é a verdade de Deus, trazida por Ele mesmo, e santificada pela sua própria morte.
— Já me explicaste em toda sua integridade todo o credo cristão. Pois teu próprio entusiasmo fez com que me resultasse atraente, devo confessar; e se todos seu seguidores fossem realmente como você é, meu muito prezado Marcelo, poderia adaptar-se para chegar a ser a bênção final do mundo. Mas não vim aqui para argumentar sobre a religião. Venho a falar sobre você mesmo. Estás em iminente perigo, meu querido amigo; tua posição, tua honra, teu cargo, tua própria vida estão em perigo. Considera pois atentamente o que estás fazendo. Foi-te confiada uma importantíssima missão, em cujo cumprimento saíste. Esperava-se que voltasses trazendo informes importantes. Pelo contrário, você volta e se apresenta perante o general informando que agora pertence ao bando do inimigo, que se converteu num deles de todo coração e que se nega a utilizar as armas romanas contra eles. Então, não compreendes que se o soldado pudesse escolher com quem vai lutar, não haveria disciplina? Pois deve cumprir ordens e nada mais. Não tenho razão?
— É, você tem razão, Lúculo.
— A questão que você tem que decidir não é se escolhe a filosofia ou o cristianismo, senão se você é cristão ou soldado romano. Porque conforme estão as coisas nestes tempos, é absolutamente impossível ser soldado romano e ao mesmo tempo cristão. Então, deves renunciar a uma das duas escolhas. Mas não somente isso, senão que se você insistir em tua decisão de ser cristão, deverás compartir tua sorte com eles, porque não pode se fazer a menor distinção em teu favor. Pelo contrário, se desejas continuar como soldado, deves pelejar contra os cristãos.
— Não cabe a menor dúvida em quanto a essa questão.
— Você sabe que tem amigos cordiais que estão prazerosos de esquecer teu grande e precipitado delito, Marcelo. Pois te conheço que tens esse caráter que facilmente se entusiasma, e supliquei ao general por você. Ele também te tem em grande estima pelas tuas qualidades de soldado valente. Está animado de toda a boa vontade de perdoar-te sob certas circunstâncias.
— Quais são elas?
— A mais misericordiosa de todas as condições. Que deites no esquecimento todos os quatro dias passados. Que se desvaneçam por completo de tua memória. Retoma tua comissão. Toma teus soldados sob tuas ordens e no ato compreende o cumprimento de teu dever, procedendo à detenção desses cristãos.
— Lúculo — exclamou Marcelo, levantando-se de seu assento, com os braços cruzados— . Estimo-te muitíssimo, como amigo que você é, e estou agradecendo teu fiel afeto. Jamais poderei esquecê-lo. Mas agora tenho dentro de mim algo que te resulta por completo desconhecido, o qual é muito mais precioso e forte que todas as honras do estado. Trata-se, pois, nada menos que do amor de Deus. por esse amor estou disposto a deixar tudo: honra, categoria, e a própria vida. Minha decisão é irrevogável. Eu sou cristão.
Lúculo continuou sentado. Mudo de surpresa e comovido em extremo, contemplava seu amigo. Para ele era demasiado conhecido o caráter deste em suas resoluções, e via com profunda pena como suas palavras persuasivas tinham fracassado. Depois de muito voltou a falar. Recorreu a todos os argumentos que podia imaginar. Invocou todas as idéias que poderiam influir nele. Falou do terrível destino que lhe esperava, e da vingança encolerizada que se empregaria particularmente contra ele. Mas todas suas palavras foram completamente inúteis. Finalmente se levantou, vítima da mais profunda tristeza.
— Marcelo — disse— , você está tentando o destino, vai apressadamente rumo a sorte mais terrível. Pois todo o que a fortuna pode deparar está te sendo oferecido, e tu lhe dás as costas para jogar tua sorte juntamente com aqueles proscritos miseráveis. Eu cumpri com meu dever de amigo de tentar fazer-te voltar da loucura, mas tudo quanto eu possa fazer é inútil perante tua obstinação.
"Eu te trouxe a sentença do general. Você foi degradado da categoria de oficial. E está a ordem de arresto em tua contra, acusado de ser cristão. Amanhã serás apreendido e entregue para sofrer o castigo. Mas ainda tens muitas horas a tua disposição, e ainda tenho eu a possibilidade de alcançar a satisfação, embora penosa, de ajudar-te a escapar. Foge, pois, agora mesmo. Apressa-te, porque não há tempo que perder. Existe um único lugar no mundo onde podes estar a coberto da vingança do César".
Marcelo o escutou em silêncio absoluto. Lentamente tirou suas armas e as colocou a um lado. Com tristeza desatou a suntuosa armadura que levava com tanto merecimento e orgulho. E assim ficou vestido com sua simples túnica, a disposição de seu amigo.
— Lúculo, mais uma vez te repito que jamais esquecerei tua fiel amizade. Quanto desejo que estivéssemos voando juntos numa fuga perfeita, que tuas orações pudessem ascender como as minhas para o trono dAquele adequadamente eu sirvo! Porém, chega. Me retiro. Adeus!
— Adeus, Marcelo. Jamais nos voltaremos a encontrar na vida. Se alguma vez estivesses em necessidade ou em perigo, sabes muito bem em quem confiar.
Os dois jovens se abraçaram, e Marcelo partiu apressadamente.
Saiu do quartel, avançando diretamente até chegar no fórum. Naquele lugar encontrou-se rodeado de templos e monumentos e colunas de mármore. Ali estava o Arco de Tito, medindo o largo da Via Sacra. Ali se levantava a forma gigantesca do palácio imperial, da mais rica arquitetura, com régios adornos de mármores riquíssimos, culminando com as brilhantes decorações douradas. A um lado se levantavam as muralhas imensas do Coliseu. Além delas podia contemplar-se a cúpula estupenda do Templo da Paz, e no outro extremo, o Monte Capitolino destacava seus históricos cumes, coroado de apinhados templos estatais, que se erguiam como desafiando as alturas e cortando os ares sob o azul do céu.
Para lá dirigiu seus passos, e ascendeu as escarpadas pendentes até dominar o mesmo cume. E uma vez lá cima, olhou em volta o amplo e soberbo panorama que lhe oferecia a vista. O lugar mesmo onde estava era um amplo quadrado pavimentado de mármore e rodeado de templos senhoriais. A um lado via-se o Campus Martius, rodeado pelo Tíber, cuja avenida amarelada serpentava penetrando nas profundezas do horizonte até o Mediterrâneo. Por todos os outros lados da cidade monopolizava toda a extensão desigual, pressionando até suas estreitas muralhas, e excedendo-as por meio de ruas que se irradiavam até grande distância em todas direções, invadindo o campo. Os templos, as colunas e os monumentos alçavam suas cornijas orgulhosas. Inúmeras estatuas enchiam as ruas com uma população de formas esculturais, numerosas fontes borrifavam o ar, as carruagens se deslocavam barulhentas pelas ruas, as legiões de Roma iam e vinham com ares de desfile militar, e assim por onde olhava podia contemplar que surgia a borrascosa onda da vida da cidade imperial.
Na distância se estendia a planície, salpicada de incontáveis vilas, casas e palácios, de uma rica e exuberante vegetação; as moradas da paz e da abundância. A um lado podia ver-se a silhueta azul doa Apeninos, dignamente coroados de neve; do outro lado, as turbulentas ondas do Mediterrâneo açoitavam as praias da indomável distância.
Repentinamente Marcelo ficou perturbado, o melhor ainda, trazido de volta a si mesmo por um grito. Voltou-se de imediato. Um homem avançado em anos e coberto de escassa vestimenta, de rosto macilento e frenéticas gesticulações, clamava a grande voz expressões ininteligíveis de terror e denúncia. Seu olhar selvagem e suas atitudes ferozes evidenciavam que, pelo menos em parte, estava louco.

Caiu, caiu a grande Babilônia,
e se tornou morada de demônios,
e covil de todo espírito imundo,
e esconderijo de toda ave imunda e odiosa. [34]
Porque já os seus pecados se acumularam até ao céu,
E Deus se lembrou das iniqüidades dela.
Tornai-lhe a dar como ela vos tem dado,
E retribuí-lhe em dobro conforme as suas obras... [35]
Quanto ela se glorificou, e em delícias esteve... [36]
Portanto, num dia virão as suas pragas,
a morte, e o pranto, e a fome;
e será queimada no fogo;
porque é forte o Senhor Deus que a julga.
E os reis da terra, que se prostituíram com ela,
e viveram em delícias, a chorarão,
e sobre ela prantearão,
quando virem a fumaça do seu incêndio;
Estando de longe pelo temor do seu tormento, dizendo:
Ai! ai daquela grande Babilônia, aquela forte cidade!
Pois numa hora veio o seu juízo. [37]
Os mercadores destas coisas,
que com elas se enriqueceram,
estarão de longe, pelo temor do seu tormento,
chorando e lamentando,
E dizendo: Ai, ai daquela grande cidade!
que estava vestida de linho fino, de púrpura, de escarlata;
e adornada com ouro e pedras preciosas e pérolas!
porque numa hora foram assoladas tantas riquezas.
E todo o piloto, e todo o que navega em naus,
e todo o marinheiro,
e todos os que negociam no mar se puseram de longe;
E, vendo a fumaça do seu incêndio, clamaram, dizendo:
Que cidade é semelhante a esta grande cidade?
E lançaram pó sobre as suas cabeças,
e clamaram, chorando, e lamentando, e dizendo:
Ai, ai daquela grande cidade!
na qual todos os que tinham naus no mar
se enriqueceram em razão da sua opulência;
porque numa hora foi assolada.
Alegra-te sobre ela, oh céu, e vós,
santos apóstolos e profetas;
porque já Deus julgou a vossa causa quanto a ela. [38]

Uma vasta multidão se reuniu em volta dele, confusa e surpreendida, mas apenas havia cessado de falar quando apareceram alguns soldados e o levaram.
"Sem dúvida é algum pobre cristão, que por causa do sofrimento perdeu o cérebro", pensou Marcelo. E conforme o homem era levado, ainda continuava a clamar suas terríveis denúncias, e uma grande multidão o seguiu, gritando e zombando. o barulho não demorou em perder-se na distância.
"Não há tempo que perder. Eu devo ir embora", disse para si Marcelo, e partiu.

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